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Entrevista com Pedro Guerra

Na casa de um amigo do Pedro Guerra tem um quadro com uma frase que diz: não há propósito em escrever algo se não for para irritar alguém. Hoje, vamos adaptar para o blog desse jeito: não há propósito nesta entrevista se não for para incomodar você positivamente. Isso mesmo, espero que esta entrevista incomode você da melhor maneira possível. Pois, da DPZ até a Loducca, Pedro Guerra tem ótimas histórias e dicas para contar. Confira.

Boa leitura e bom aprendizado.


1. Fale um pouco da sua trajetória e seu início em São Paulo. Você começou sua carreira em Fortaleza, certo?
Na verdade eu comecei estagiando na DPZ, em 1998. Num daqueles estágios de duas semanas em que você gira pela agência inteira. Perguntei se eu podia ficar as duas semanas só na criação, e eles toparam. Passei uns 9 meses, e voltei para o Ceará. Queria morar lá. Acabei regressando em 2004, junto com o Kleyton Mourão, que veio a ser meu dupla por 11 anos. Entramos aqui numa agência de mídia e conteúdo chamada Synapsys, mas a gente queria propaganda-propaganda mesmo. Era a época em que o Átila Francucci tinha saído da Fischer pra JWT e levado alguns criativos com ele. E nessa clareira, tinha espaço pra dois cearenses.

2. A Loducca é a primeira agência em que você trabalha como diretor de criação? Como foi a mudança de redator para DC?
Eu nunca havia sido diretor de criação. E francamente não tinha a menor intenção de ser. Foi uma combinação de oportunidade, de gostar da proposta do Guga Ketzer e da promessa de não deixar de colocar a mão na massa. Eu queria continuar criando. Ajudou muito o fato de que duplaria com o Marco Monteiro, um cara com um trabalho sensacional, além de ser gente finíssima.
A mudança de redator para diretor foi tranquila, na verdade. Não tem muita novidade, afinal eu convivi com diretores de criação durante onze anos – o trabalho não era segredo. Procurei – e ainda procuro – tentar não repetir alguns dos erros que me irritavam muito quando eu estava do lado de lá. Não acho, por exemplo, coerente reclamarmos das infinitas instâncias de aprovação nos clientes e repetir a mesma prática no lado de cá do balcão. E o Guga também tem esse perfil desburocratizante, o que facilita. E tento deixar as pessoas tranquilas na criação. A gente passa muito tempo junto, longe da família e sob a pressão natural da nossa profissão. A última coisa que eles precisam é de um chefe com estrelismos. E, como eu costumo dizer, um diretor de criação que não atrapalha já é meio caminho andado para um bom trabalho.

3. Revista congelada, anúncio asfalto e anúncio bafômetro*. Foi mais difícil criar ou aprovar essas ideias?
Eu não participei diretamente da criação do anúncio-asfalto e do bafômetro, mas fiquei a par do processo inteiro. Aprovar é mais fácil, sem dúvida. E a facilidade vem do fato de que todos esses anúncios são uma resposta concreta (literalmente), objetiva, didática e impactante a uma solicitação do cliente. Se o grande diferencial de uma cerveja é que ela permanece mais tempo gelada, por que não entregar um anúncio gelado? Não há como dizer não. O grande entrave é a produção e o custo. Se é viável, um abraço.

4. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Ou o cara tem sensibilidade para o ofício ou não. Não fica muito longe disso. Alguns chegam num nível mais maduro, outros ainda chegam meio crus, mas de cara dá pra ver se o candidato sabe como fazer um anúncio. Obviamente, já vi pastas de tudo que é jeito: boas, ruins, profissionais, equivocadas… Mas geralmente – e felizmente – as pessoas que me mostram pastas tem certeza do que querem e já têm noção do que é boa propaganda – se ainda não sabem criar, já sabem pelo menos reconhecer. Isso em relação à avaliação da pasta. Avaliação pessoal é outra história. Já recebi um cara que não queria deixar uma cópia da pasta comigo, talvez por imaginar que eu fosse roubar suas as idéias. No mês passado um rapaz trouxe o pai a tiracolo. Constrangedor. Tem que ter um mínimo de bom senso, né? Mas esse tipo de comportamento já não é tão comum. Já passou a era dos desavisados – ou se não passou, estamos indo nesse sentido.

5. Após entrar em uma grande agência, o que não fazer para se dar bem?
Respeitar as boas normas de convivência em sociedade ajuda. Criação é um ambiente muito delicado, as pessoas necessitam do suporte do outro para desenvolver um trabalho. Confiança é fundamental, imprescindível, primordial. Não ser inoportuno, inconveniente, intransigente, arrogante e prepotente é uma lista bem concisa mas abrangente dos “nãos” que a gente deve procurar. Mas o que não fazer é tão importante quanto o que fazer. E comprometimento com o trabalho, responsabilidade, saber trabalhar em grupo entram nesse quesito. O papel de um criativo vai muito além de criar. Então, ficar trancado na salinha e entregar a campanha pro atendimento se virar é algo que não existe mais – se é que existiu algum dia. Tem que ir lá vender, apresentar, ajudar a produzir, questionar a mídia, questionar a produção, questionar o cliente… Isso sem falar da eterna e infinita tarefa de trabalhar além do que é pedido. Um redator e um diretor de arte que não criam além do que se pede estão fora do jogo.

6. O que é uma boa referência para você? Aproveite e dê uma dica pro pessoal de livro, filme, banda ou o que você quiser.
Não existem boas ou más referências, existem referencias, ponto. Até porque o bom e o mau são ditados pelo que se convencionou de se chamar de bom gosto. E o que se convencionou chamar de bom gosto é, hoje no Brasil, aquilo que é chancelado pela Glorinha Kalil, é aquilo que sai na coluna Estilo de Caras. E aí? Como ficamos? Não creio que Caras tenha conhecimento do tecnobrega no Pará e do sucesso que as aparelhagens de som fazem lá, mas centenas de milhares de pessoas vão todos os fins de semana nas festas ouvir o DJ Cremoso. Certamente, para esse montão de gente, o DJ Cremoso não é uma má referência.
Fundamental para a construção do arcabouço de referências de uma pessoa é a formação que ela teve. E isso vem dos pais, dos amigos, da escola. Se ela não se abriu para o mundo quando tinha oportunidade não vão ser dois ou três livros que vão colocá-la de volta nos trilhos. Então, na esperança de ter um garoto de sete, oito anos lendo a minha entrevista, eu torceria para que as pessoas com as quais ele convive não tenham preconceitos e sejam abertas para todas as formas de expressão e produção cultural.

7. Se você estivesse começando na profissão hoje, o que perguntaria para o Pedro Guerra, diretor de criação da Loducca, e qual seria sua resposta?
Ainda é legal trabalhar em propaganda? Sim. Na maioria das vezes é frustrante e cansativo, e as responsabilidades só aumentam. Mas é ainda uma das poucas (e acessíveis) profissões que te pagam relativamente bem para se divertir.

8. Deixe um recado, em 140 caracteres, para todos os leitores.
Na casa de um amigo meu tem um quadro com uma frase em inglês que diz o seguinte: não há propósito em escrever algo se não for para irritar alguém. Acho que dá pra adaptar para propaganda desse jeito: não há propósito em criar algo se não for para incomodar alguém.

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Pedro Guerra
Redator e diretor de criação da Loducca


*Anúncios mencionados na entrevista:

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7 respostas em “Entrevista com Pedro Guerra”

Excelente entrevista. Gostei muito quando ele responde a pergunta sobre referência. Ou seja, temos que ter a cabeça aberta para qualquer tipo de cultura, desde música erudita até livro de auto-ajuda.
Parabéns pelo blog, Tiago.

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