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Entrevista com Adriana Cury

Redatora por formação, Adriana Cury começou na grande MPM. Desde então, já foi presidente da McCann Erickson, atuou como VP Nacional de Criação na Ogilvy, integrando o conselho global, e hoje é VP de criação da nova/sb.

Adriana é uma das mais premiadas publicitárias brasileiras, a lista de feitos é grande: leões em Cannes, edições como jurada, Caboré, Colunistas, eleita uma das mulheres mais influentes do Brasil segundo a Forbes. Pois é, Adriana fez e faz história na propaganda. E a gente está fazendo história aqui no blog conversando com ela. Uma honra.

Aproveitem. Boa leitura e boa aula.


1. Conte um pouco sobre os seus primeiros anos na profissão. Você começou como redatora na MPM, certo?
Sempre gostei de escrever. Lia muito desde pequena, minha mãe era professora de línguas neolatinas e lotava minha prateleira de livros. Sempre quis trabalhar com publicidade, essa coisa de criar, ter ideias mirabolantes pra um produto me fascinava. Estava cursando a FAAP quando soube que a MPM, na época a maior e uma das mais criativas agências do Brasil, estava abrindo uma vaga para revisor.
Minha mãe tinha acabado de falecer, eu estava deprê. Na época, tinha um namorado que trabalhava na área e ele me estimulou muito a ir até a MPM conversar e “arrumar outras coisas pra minha cabeça”. Como eu dominava o português não seria difícil conseguir a vaga. E, melhor, sem começar como estagiária, o que, na época, não era lá muito valorizado.
Fui e acabaram me contratando na hora. No dia seguinte minha grande escola começou.
A MPM reunia muitos criativos premiados do mercado. Eram artistas, intelectuais, pessoas extremamente interessantes.
Tudo o que eles faziam passava por mim na revisão. E, além de revisar, eu fazia o melhor: aprendia.
Tinha criado uma dupla informal com o Luiz Nogueira, que foi VP de Criação na McCann Rio, mas que na época trabalhava no estúdio da MPM. E pedíamos pro nosso querido Caco (tráfego) passar pequenos jobs pra nós.
Se de um lado minha vida estava cheia de novos desafios, também estava lotada de tarefas. Além disso, eu havia passado a faculdade pro período da noite pra poder fazer um estágio pela manhã com os criativos da agência. Meu trabalho na revisão começava após o almoço e, se precisasse, invadia a noite.
Bem, em 6 ou 7 meses de loucura, decidiram nos promover como a primeira dupla jr da agência. Festa na laje kkk.
Não paramos mais.
Na MPM ganhei Grand Prix no FIAP com uma campanha pra Aliança Francesa, o que mereceu até um artigo do saudoso Lourenço Diaféria na Folha de São Paulo.
Comecei a receber propostas e aí…vida que segue.

2. A Colucci foi uma agência que marcou época, independente e com grandes trabalhos. No período em que esteve lá, você figurou entre as 10 profissionais mais premiadas do mercado brasileiro e também foi pela primeira vez jurada em Cannes. Fale um pouco mais sobre a Colucci, os trabalhos e a importância da agência para o mercado.
A Colucci realmente foi um marco. Agência 100% brasileira, trabalhava com grandes clientes e rompeu paradigmas com a campanha pro Banco Bamerindus: “Gente que Faz”, em formato de branded content, absolutamente inovador pra época.
Eram histórias e depoimentos de pessoas que conseguiam dar a volta por cima em suas vidas apesar das grandes dificuldades. Isso era contado em filmes de 2 ou 3 minutos em horário nobre da Globo, o que também foi outra quebra de paradigma.
Trabalhar com o Oscar Colucci me proporcionou uma das melhores experiências na carreira. Além de um profissional incrível e uma pessoa humana e divertida, Oscar sempre apoiou e estimulou muito meu trabalho. Dessa forma fomos criando campanhas que traziam resultados pros clientes e prêmios pra agência. O volume de peças que inscrevíamos nos festivais era pequeno em comparação ao das outras agências, mas o índice de acerto era alto. O trabalho começou a se destacar, o que me valeu o convite para jurada no Festival de Cannes na categoria print. Isso também foi surpreendente por algumas razões: naquela época, eram muito poucas as mulheres criativas brasileiras escolhidas para compor um júri em Cannes. Na grande maioria dos casos, os escolhidos eram sempre profissionais de agências grandes ou multinacionais, com um volume alto de inscrições, o que não era o caso da Colucci, como já falei.
A experiência como jurada em Cannes foi incrível. Eram 25 jurados: 24 homens e eu como única mulher. Mas fui ouvida e muito respeitada por todos. Consegui criar um ambiente muito gostoso. Comecei convidando alguns jurados pra jantar. Isso foi aproximando o grupo e, ao final da semana de julgamento, a mesa era enorme, todos queriam jantar juntos. Ficamos amigos. Entre eles, estava o Alex Bogusky, da Crispin, Porter, ainda não tão famoso, mas muito simpático e afável. Meu par brasileiro nesse júri foi o Julio Andery e fizemos um trabalho muito bom. O Brasil foi o país mais premiado em print naquele ano.

3. Em 2005 você foi considerada uma das “Mulheres mais Influentes do Brasil” nas áreas de Marketing e Publicidade pela Revista Forbes. Hoje, representa o Movimento Círculo de Criativas, iniciativa internacional que reúne profissionais de criação para fortalecer e valorizar o talento feminino na propaganda. Comente mais sobre este projeto.
Fui indicada 2 vezes como uma das Mulheres Mais Influentes nas áreas de Marketing e Publicidade pela Forbes. Isso me deixa muito feliz. É gratificante saber que minha contribuição pra indústria da comunicação foi reconhecida por um veículo dessa importância.
E isso abre espaço pra outras criativas. Acredito que o trabalho desenvolvido ao longo da minha trajetória, em especial na McCann, tenha colaborado.
Em relação ao Círculo de Criativas Brasil, o convite me chegou através do Chile, no ano passado. Estavam começando a se organizar e convidar outros países da América Latina. O curioso é que em pouco mais de 6 meses a coisa cresceu exponencialmente.
Hoje, o Círculo de Criativas Latam, marca-mãe, reúne 16 países: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico e Uruguai.
Nosso objetivo é um só: fortalecer o trabalho das mulheres criativas ligadas à indústria da comunicação, pois ainda há um desequilíbrio grande em relação aos homens: níveis salariais desiguais, poucas promoções e contratações para cargos de gestão, pequena presença em júris nacionais e internacionais. Acredito até que na América Latina isso seja ainda pior do que aqui.
Quando recebi o convite, fiquei indecisa se iria conseguir conciliar minha agenda na agência com esse trabalho tão relevante.
Mas entendi que, como uma das poucas mulheres criativas que chegaram ao mais alto cargo de gestão – a presidência de uma grande multinacional como a McCann, eu devia isso para as criativas.
Aceitei a responsabilidade, porque acho que minha experiência pode ajudar a impulsionar esse movimento ainda mais. Tenho muito pra agregar e quero fazer isso. Muitas mulheres dizem que vêem em mim um exemplo real, a prova de que é possível, sim, pra uma criativa assumir responsabilidades maiores e ocupar uma cadeira que frequentemente só os homens ocupam.
Por isso, o Círculo está aberto para todas as criativas redatoras e diretoras de arte de agências on e off, diretoras de cinema, fotógrafas, designers, ilustradoras, criativas ligadas à area de produção e áudio. Não importa a idade, a etnia ou a orientação sexual.
Quem quiser se juntar a nós nesse movimento será muito bem-vinda!

4. Da MPM até a Nova/SB foi uma grande trajetória na propaganda brasileira. Qual aprendizado você teve ao longo da carreira e que é válido passar para quem acompanha o blog?
Olha, não é nenhum diagrama moderninho ou livro de auto-ajuda, mas tem palavras das quais não dá pra fugir: foco, disciplina, informação, dedicação, humildade pra aprender e se reciclar, flexibilidade pra lidar com as dificuldades com inteligência espiritual, que é um passo bem além da inteligência emocional.
Talento hoje não sobrevive sem sensibilidade, respeito, fé e altruísmo.
Construa um propósito que vá além da sua conta bancária e de algumas estatuazinhas na prateleira.
Publicidade e marketing tem função social, sim. Seja generoso, seja grato, e procure usar o que sabe pra compartilhar e transformar o planeta.

5. Como se manter tanto tempo na liderança de grandes agências, como McCann, Ogilvy e Nova/SB, sempre atualizada e criativa?
Valorizando o que eu sei e o que eu não sei. Ambas as premissas são igualmente importantes.
O que eu sei me dá segurança pra seguir. O que eu não sei me obriga a aprender. E uma coisa alimenta a outra.

6. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Criação é um diamante que precisa ser burilado. Ver um portfolio, pra mim, é ficar sempre procurando Wally. Buscando aquela veia criativa que se esconde num trabalho ainda pouco maduro, mas que já revela o criativo maravilhoso de amanhã.
Eu, que gosto de formar gente, adoro fazer isso.
Só tem uma coisa. É preciso dominar o básico.
Tenho visto muitos aspirantes a redator, por exemplo, cometendo erros gramaticais gravíssimos. Gente que não conhece concordância, não consegue passar de uma frase de efeito e desenvolver um texto com começo, meio e fim. Parece óbvio, mas não é. Outro dia vi o post de uma agência numa rede social buscando redator. Entre as qualificações estavam duas frases que me chamaram a atenção e confirmaram minha percepção: “conhecimento da língua portuguesa” e “saber escrever textos mais longos”.
É o mesmo que procurar um dentista que saiba fazer uma extração de dentes kkk.

7. Cite três trabalhos, seus ou de colegas, que considera importante para o pessoal que acompanha o blog pesquisar, ver e aprender.
Dos meus trabalhos, citaria a campanha de lançamento mundial do Conceito Beleza Real pra Dove, que fizemos na Ogilvy.
Pra criar esse novo caminho, trabalhamos meses juntando 4 escritórios: Nova York, Brasil, Canadá e Londres.
Outra campanha que adorei fazer foi pra Alumni, quando estava na Colucci. Aqui eram filmes super engraçados, com pessoas falando um português tosco, cheio de erros gramaticais graves, falta de concordância, trocando palavras parecidas e que mudavam totalmente o significado da frase. Ao final, um locutor off dizia algo assim: – Você não percebe, mas pode estar falando inglês assim. Faça Alumni.
Ou seja, a gente fazia o cara perceber o vexame que é falar errado ao perceber os erros na sua própria língua.
E, por último, a campanha que fizemos na McCann pra Mastercard, pra mostrar que o cartão era aceito de norte a sul do país.
Colocamos um cara sem lenço e sem documento no norte do Brasil. Tudo o que ele tinha era um cartão Mastercard pra se virar. Desde a compra de roupas e alimentos, até passagens pra viajar de lá e ir descendo até Porto Alegre, no sul do país. Foram 4 meses de campanha com o sujeito viajando o Brasil inteiro e só usando o cartão.
Outros trabalhos memoráveis, de colegas:
Havaianas é um clássico, todo o conjunto da obra-de-arte da Almap.
Dove – a campanha criada pelo Hugo Veiga na Ogilvy e que ganhou ziguilhões de Grand Prix em Cannes é um primor absoluto.
Goleiro Distraído pra Uber, que mostra o goleiro do Atlético usando o celular no meio da partida. É uma ideia muuuito boa!

8. Se você estivesse começando na profissão hoje, o que perguntaria para Adriana Cury, VP de Criação da Nova/SB, e qual seria sua resposta?
Tem uma pergunta que eu me faço todos dias: “Vê se não esquece, heim?”
A resposta diz tudo:
A vida é uma imensa roda gigante. Um dia você está lá em cima, no outro pode estar lá embaixo.
Atenção pra impermanência.
Se estiver em cima, cuidado. Ego é bom até o capítulo em que não deixa você perder a auto-estima. Depois disso, vira arrogância, soberba e um dia pode te levar pra baixo.
Se estiver embaixo, não desista. Seja humilde pra reconhecer as fraquezas, grande pra aprender e forte pra subir de novo, transformado.
Se fizer isso, o resto você consegue fácil.



Adriana Cury
VP de criação da nova/sb

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Entrevista com Cássio Guiot

A entrevista da vez é com o ilustre Cássio Guiot, um redator que sempre acompanhou o blog e a gente sempre acompanhou o trabalho dele. Cássio tem passagem pela FCB, REF+, FIELDS360, entre outras agências de São Paulo e Brasília, onde sua carreira começou. Hoje é Diretor de Criação Digital do Grupo Rái.

Boa leitura.


1. Fale um pouco sobre o seu início na profissão. Você começou em Brasília, certo?
Primeiramente, é um prazer falar um pouquinho da minha curta e insignificante trajetória até aqui para o blog. Antes mesmo de ser profissional da área, já era leitor assíduo do Puta Sacada.

Agora, voltando ao assunto, cara, comecei um pouco tarde na profissão. Na real, queria ser cineasta. Sempre adorei cinema. Meu pai locava muitas fitas videocassete e eu sempre o acompanhava nas sessões de filmes.

Entrei pra faculdade de P&P na PUC de Brasília com esse anseio. Lá descobri que dava pra “fazer cinema” de uma outra maneira mais fácil e barata. A partir daí, me interessei bastante pela a área de criação. Tentei ser diretor de arte, porém, não era tão bom. Mas gostava muito de escrever. Na época eu já escrevia muitas letras de música e comecei a ver que levava jeito pra coisa. Fui selecionado para Agência Júnior da faculdade (na época se chamava Matriz) e lá comecei a ter mais contato com esse dia a dia de agência. Fiquei 1 ano por lá e depois comecei a procurar realmente um emprego.

Consegui transitar por pequenas agências, onde tive bastante contato com o Digital, o que me deu uma base bacana pra entender desse universo. Também fiz um freela na Master WPP, a convite do DC na época, Saulo Angelo. Foi bem legal. Depois de lá, tive a honra de trabalhar com o Bruno Santiago na ORB. Uma agência que parecia uma startup, quando nem existia startup direito. Essa agência era totalmente focada em entregas para o digital, e, já naquela época, era conduzida de maneira bem semelhante ao modo de trabalhar de algumas agências consideradas disruptivas atualmente. Isso me rendeu uma bela visão de gerência de tempo e energia nas minhas entregas. Foi uma ótima experiência.

De lá fui pra Bees, uma agência brasiliense, considerada uma das mais criativas do mercado. Aprendi muito com o Amilton Coelho, que era uma redator muito, mas muito talentoso. Acabei saindo da Bess e fui para na Fields360, que era uma agência muito legal e com um histórico de formação de ótimos criativos. Fiquei por lá durante 4 anos e tive a honra de trabalhar com o Lucas Zaiden (atualmente na Rapp NY), que na época tinha acabado de voltar da Havas Moscou com vários leões. Foi lá que tudo mudou.

Quando cheguei, a criação só tinha duas duplas e começamos tratar o trabalho do dia a dia como possibilidades criativas que poderiam ir pra pasta. Os resultados vieram em seguida com prêmios no Cresta Awards, Colunistas Brasília, Colunistas Brasil e no Effie Awards. Depois disso, ficou mais fácil tentar ir pra SP (sonho de qualquer publicitário). Foi quando o Deny Zatariano, DC da REF+ me convidou para vir. Não pensei duas vezes, rs.

2. Como foi a mudança para São Paulo? Muitos profissionais e estudantes do interior e de outros estados gostariam de fazer o mesmo, alguma dica?
Minha mudança pra SP foi uma consequência do trabalho que eu construí em Brasília. Acho que todo mundo que trabalha com Propaganda tem essa vontade, né? SP é teoricamente o principal pólo criativo do país, mas, hoje depois de um tempo aqui, vejo que o mito da dificuldade de trabalhar em SP é muito mais alegórico. Minha dica pra quem pensa em vir é não deixar que a disputa de espaço nas grandes agências intimide. Podem vir com tudo pra se encontrar na profissão. Tem muito lugar bacana pra trabalhar, com muita coisa nova rolando. O importante é começar em algum lugar e ganhar espaço.

3. Recentemente você virou diretor de criação. O que mudou no seu dia a dia, continua criando?
Essa mudança não foi proposital. Pra falar a verdade, eu nunca planejei ser e nunca achei que levava jeito pra coisa. Mas aconteceu. Acho que muito mais pelo meu desejo de que as ideias andassem de mãos dadas com os negócios dos clientes. Basicamente foi isso que mudou no meu dia a dia. Busco não apenas olhar a ideia como um commodity da criação, mas como um aditivo potente para girar os ponteiros dos clientes.

Criar, eu continuo criando junto com o time. Essa é a parte mais divertida. Mas meu trabalho é muito mais voltado para criação de um ambiente saudável, em que o processo criativo aconteça da melhor maneira possível.

4. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Tento avaliar a capacidade de transformar assuntos que todos já falaram, em uma nova abordagem. Hoje em dia é muito comum você ver pastas com as mesmas estruturas, estilos de pranchas e modos de pensamento. Por isso que é muito bacana quando você encontra alguém com o talento da originalidade.

5. Como saber se a ideia está pronta o suficiente para ir pra rua?
Acho que a gente nunca sabe quando a ideia tá pronta pra sair. Na verdade, sempre existe aquela sensação que dá pra maturar ou estruturar mais. Colocar uma ideia na rua sempre é um risco. Não dá para prever o quanto ela vai dar muito certo ou não. Prefiro acreditar que dentro de um processo de planejamento e criação bem direcionado, boas ideias estarão sempre prontas para ganhar seu espaço no mundo.

6. Quais são as suas influências mais recentes, o que tem consumido para ajudar no trabalho?
Vai parecer clichê, mas tenho buscado referências fora da propaganda. Acho que as marcas estão cada vez mais abertas para um diálogo com o público. Principalmente no ecossistema digital. Por isso procuro estudar pessoas, verdades e comportamentos. Acho que a propaganda deixou de ser há muito tempo “compre batom”. Hoje está muito mais para “me dá 1 minutinho do seu tempo?”.

7. Se você estivesse começando na profissão hoje o que perguntaria para Cássio Guiot, diretor de criação digital no Grupo Rái, e qual seria sua resposta?
Você é feliz com o que faz?
Eu diria: completamente.

Cassio Guiot
Cássio Guiot
Diretor de Criação Digital do Grupo Rái

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Entrevista com Alex Periscinoto

A entrevista que você está prestes a ler foi realizada no dia 18/12/2015, porém, publicada somente em 09/03/2016. O motivo de tanta demora eu explico a seguir: realmente, nenhum texto de apresentação que escrevi neste período sobre Alex Periscinoto era bom o suficiente para definir corretamente sua importância à publicidade brasileira e, principalmente, para a minha carreira e de tantos colegas de trabalho. Não queria cometer gafes. O “P” da Almap, como você já deve saber, mudou a história da propaganda. Enfim, sem querer tomar mais o seu tempo e atrasar a leitura, aproveito este espaço para agradecer publicamente Nélson Machado, pelo contato, e Alex Periscinoto, pela participação no blog.

Dica: leia com atenção cada resposta, da caixa alta ao ponto final. Creio que há muito para aprender nestas perguntas que preparei com tanto carinho. Boa leitura e boa aula.


1. Conte um pouco sobre seu começo na profissão. Foram tempos difíceis do início até a Almap?
Alex: Claro que eu tive a minha corrida de obstáculos que, aliás, é algo que nunca termina. O “pouco” que vou te contar é quase demais pra uma entrevista, mas achei adequado não economizar fatos. Portanto, é um “pouco-muito” da minha vida. Pra agilizar a leitura da 1a. respostas, criei intertítulos. Vamos lá.

O começo do começo.
A minha vida profissional começou nos anos 50, na house agency da grande loja de departamentos que existia em S. Paulo, em frente ao Teatro Municipal, chamada “Mappin”. Era uma loja imensa, classuda, sofisticada e que se destacava publicitariamente por ser uma poderosa anunciante seja como patrocinadora do noticiário de maior audiência da tv e intensa veiculação de comerciais, seja em spots de rádio, anúncios de página inteira em jornais, etc. Eu era o diretor-de-criação do Mappin. E o meu desafio diário era fazer um varejo de alta qualidade com anúncios limpos e sempre com um toque de classe e charme porque o Mappin também atingia a alta classe média destacando-se, inclusive, como uma espécie de fashion week permanente, lançando moda e tendências.

“Ohrbach’s” , Nova Iorque.
A minha grande referência criativa era o bom gosto da requintada loja de departamentos de NY, a “Ohrbach’s”. Seus anúncios eram aulas de direção-de-arte e texto com layouts sofisticados, limpos, impactantes, bem humorados tanto nos visuais como nos títulos deliciosamente bem sacados. Eu recortava esses anúncios do “New York Times” de domingo (eu ia na livraria “La Selva” do aeroporto de Congonhas comprar) e guardava tudo carinhosamente como fontes inspiradoras. Um dia, já cansado de ficar babando à distância, tomei uma atitude. Resolvi beber direto na fonte. E, equipado com o meu inglês aprendido na marra como autodidata, me mandei pra NY a fim de absorver tudo e mais um pouco da “Ohrbach’s” e de sua genial agência.

A mitológica DDB
Fui maravilhosamente bem recebido na “Ohrbach’s” talvez até pelo insólito: um publicitário sul americano atrevidamente enfiado no ninho de cobras em NY pra observar, assimilar e levar de volta pro Brasil os mais criativos conceitos de comunicação não só do varejo mas, principalmente, dos valores, métodos e inteligência embarcados na agência que a atendia: nada menos do que a mitológica DDB. Vivendo a rotina da agência ganhei a sorte grande de me tornar amigo pessoal não só do “B” da agência – o lendário redator Bill Bernbach, como também de seu incrível time de monstros sagrados como Bob Gage, Helmut Krone, Bob Levenson.

Nasce a revolucionária Almap.
Pra quem vinha de um ambiente profissional já com data vencida, ver como trabalhava a DDB pra mim foi como receber uma bomba de Hiroshima na cabeça. Um choque cultural devastador ao ver como o Bill Bernbach e seu time produziam suas campanhas. Os caras trabalhavam em duplas, coisa impensável pra mim onde no Brasil o redator ficava numa sala e o “ilustrador” (nem tinha o conceito “diretor-de-arte”) noutra sala, completamente isolados. Na DDB era um olhando pro outro, compartilhando a mesa, chutando ideias, tirando sarro, criticando, xingando, metendo os pés nas mesas, espetando rascunhos de layouts nas paredes, enfim, uma zona, uma loucura com método e alta produtividade. Voltei ao Brasil eletrificado e ansioso por colocar em prática tudo o que eu tinha visto. Comecei a fazer isso no Mappin. Mas a coisa pegou pra valer um tempinho mais à frente quando, a convite do José de Alcântara Machado (brilhante business man) fiz um frila pra tentar conquistar a conta de uma fábrica de automóveis que estava chegando ao Brasil: a Volkswagen. Com todo aquele conteúdo DDB tinindo na minha cabeça, ganhamos a concorrência de braçada. E com uma agência zero km em mãos, virei a mesa. Desrespeitei construtivamente o formato obsoleto brasileiro de se fazer publicidade. Implantei aqui o sistema das duplas acrescentando um diretor-de-criação pra refinar a qualidade das peças e também avaliar sua eficácia mercadológica pois a criatividade publicitária não é um fim em si mesma mas um meio pra se obter resultados. Mas havia dificuldades pois como tudo era inovador, eu não encontrava redatores e diretores-de-arte prontos pro novo formato. Tive que garimpar, treinar, aculturar novos talentos não só pra criação como também pro planejamento, mídia e até pra produção de comerciais (um dos nomes que fez história na Almap foi o meu querido amigo Boni). A Almap cresceu, ganhou musculatura e virou referência de modelo criativo estimulando outras agências a se espelharem nela. Todo mercado brasileiro ganhou com isso. A nossa publicidade superou o provincianismo, aprendeu a linguagem internacional, impôs respeito, virou o bicho-papão dos festivais ganhando prêmios e mais prêmios pelo mundo.

2. “Mais vale o que se aprende que o que te ensinam”. Na publicidade, a experiência ainda é a melhor escola?
Alex: A melhor escola é a que soma tudo que se vivencia – seja vindo dos professores, pais, amigos e, principalmente, o que se obtém da experiência – própria ou alheia, pois é aí que se aprende que, na prática, a teoria é outra. O aprendizado de um publicitário (principalmente de criação) tem que ser permanente, dia e noite, sem preguiça, incluindo sábados, domingos e feriados. A cabeça do cara de criação tem que funcionar como se fosse uma máquina maluca somando drone, satélite e radar tudo junto pra saber captar e interpretar comportamentos sociais, linguagens, gestos, hábitos, enfim, conhecer a alma do consumidor. Quanto mais rico for esse arquivo de conteúdos, mais vivo e antenado será o resultado criativo pois campanha publicitária que funciona é a que gera empatia e até vira bordão de sucesso popular como aconteceu anos atrás (que pena, nunca mais isso se repetiu) como “Não é uma Brastemp” (agência Talent), “O primeiro sutiã ninguém esquece” (DPZ), “Nós viemos aqui pra beber ou conversar?” (Almap pra cerveja Antarctica).

3. Em uma de suas publicações, você descreve o quão “difícil é sacar o óbvio”. Existe uma maneira, uma espécie de treino, para que criativos possam encontrar raciocínios óbvios com maior facilidade?
Alex: Descobrir o óbvio é um dos mais fascinantes desafios da criação publicitária. Não existe manual pra saber onde ele está escondido. Aliás, ele nunca está escondido, está sempre explícito tirando um sarro da gente que não o vê debaixo dos nossos respeitáveis narizes. E o mais chato é que só os outros descobrem. Um exemplo de anúncio óbvio que posso ilustrar é um institucional histórico e super-premiado que a Almap criou pra Volkswagen (veja anexado). Esse anúncio flagrou uma obviedade escandalosa bem na palma das nossas mãos: descobriu que temos nas tais “linhas da vida” nada menos do que um “V” e um “W”. E que com um simples círculo rabiscado no entorno delas aparece a logomarca Volkswagen. Aí fica fácil ver pois o óbvio só vira óbvio depois que a gente descobre o “mardito”.

4. Qual anúncio/campanha você acha genial por ser óbvia? Poderia citar um exemplo?
Alex: Eu não diria “genial” porque esse nível não vem sendo alcançado por ninguém, aqui e lá fora, há muito tempo. Mas o anúncio da mão Volkswagen da resposta anterior é um bom exemplo.

5. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Alex: Ver se ele tem conteúdo. Nesse estágio inicial da profissão sacar se o candidato tem bagagem de cultura, informação, etc, é até mais importante do que o domínio da forma, coisa que com a prática ele vai aprender. Não quero dizer que o candidato tenha que ser um “inteléquitual”, ou enciclopédico ou um Google ambulante. Mas é decisivo que ele tenha (como já disse de outra forma ali atrás), uma visão widescreen de tudo, sabendo observar como se comportam, como falam, como se emocionam, como escolhem, como criticam, como agem e reagem as pessoas que, individual e coletivamente, formam o tecido social onde a publicidade atuará. Esse radar é o captador-mestre da matéria-prima que a dupla criativa deverá saber lapidar artesanalmente com talento, fazendo nascer peças publicitárias convincentes porque souberam alinhar sua narrativa àquela do mercado. Inteligência e mente a mil são exigências básicas.

Alex: Um parêntese sobre “estágio”. A “Almapinha” .
Alex: Tomo a liberdade de esticar um pouco o assunto da resposta anterior pra dizer que eu sempre me preocupei com a busca dos novos talentos que batem à porta das agências pra fazer estágio, pois tenho como regra de vida uma frase que eu inventei pro meu próprio consumo interno: o que não se renova, deteriora. E, nos anos 90, havia um pecado mortal praticado generalizadamente pelas agências: não deixavam o sol entrar, não abriam as portas pra oxigenar os times criativos. Negavam chances aos estagiários com o raciocínio simploriamente cruel de que, por não terem experiência, não seriam imediatamente produtivos. Óbvio que não conseguiriam experiência pois as portas das agências fechavam-se criando vicioso (aliás, “círculo viciado”) que se retroalimentava pisoteando o nascedouro de novos talentos. Chutei de bico pra romper esse labirinto. Inventei a “Almapinha”, uma espécie de agência interna encravada no coração da criação, onde os futuros redatores e diretores-de-arte, participavam, sem teorizações, da vida real da criação subordinados às duplas experientes que lhes orientavam com os mesmos briefings sob a mesma pressão de timing e performance. Além de revelar novos talentos, a Almapinha trazia uma vantagem subjacente a serviço da felicidade dos clientes, aliás de seus inesgotáveis “sobrinhos” que também tinham uma chance legítima de estagiar, mas sem colher de chá pois seus currículos escolares eram avaliados com o mesmo cuidado. O fato é que a “Almapinha” entrou na história emocional de muitos criativos que, ao final do estágio, saíam tinindo obtendo chances reais de trabalho pois tinham em mãos um portfólio básico com a grife Almap que, sem modéstia à parte, era e continua sendo o objeto de desejo de todo cara de criação.

6. Qual conselho você escutou no começo da carreira e acredita ser útil até os dias de hoje?
Alex: É aquele que o talento intuitivo do meu pai sempre repetia na minha época de garoto, e que chupei pra dar título ao meu livro: “Mais vale o que se aprende do que aquilo que te ensinam”.

7. Criativo, cliente ou consumidor. Quem mais mudou nos últimos anos?
Alex: Os três mudaram, cada um a seu jeito. O consumidor evoluiu espetacularmente ampliando a consciência de seus direitos e o olhar crítico sobre o conteúdo e promessas publicitárias levando as agências e anunciantes a virarem a página dos trololós com meias verdades ou mentiras inteiras. Neste aspecto, aliás, o único tipo de propaganda que continua praticando acintosamente a lorota, pra constrangimento de todos que trabalham com seriedade e ética na comunicação, é a eleitoral. Escrevi sobre isso no meu blog (post “Conar pra propaganda política?”) lançando a ideia de termos, a exemplo do Conar publicitário, o “Conar Político”, uma instituição que defenderia o público contra os ilusionismos das campanhas políticas, podendo corrigir e até tirar do ar as peças eleitorais com promessas impagáves, nos dois sentidos. Retomando e concluindo a resposta, digo que o cliente também mudou em decorrência da agressiva competitividade econômica e a criatividade publicitária também mudou de cara. Não ficou mais bonita, nem mais criativa, nem mais jovem. Parece que todos combinaram e, religiosamente, fizeram voto de pobreza criativa. É fácil detectar isso nos layouts congestionados de fontes e texturas mais coloridas e barulhentas que a banda dos fuzileiros navais, títulos e textos parecendo meras transcrições de briefings e comerciais que pretendem serem engraçados com gags manjadas. Será que dias mais criativos virão? Aposto que sim. Talento pra isso temos de montão.

8. Se você estivesse começando na profissão hoje o que perguntaria para o Alex Periscinoto, publicitário que mudou a criação das agências brasileiras, e qual seria sua resposta?
Alex: Perguntaria: Alex, o que você quer ser quando crescer na publicidade? Responderia: quero virar a criação de cabeça pra baixo, quero descobrir novos talentos, quero fazer a publicidade brasileira ganhar linguagem internacional, quero ganhar prêmios que ninguém ganhou antes, quero criar uma agência que seja uma grife de talento pra todo criativo, quero ser o primeiro publicitário brasileiro como jurado em Cannes, quero presidir uma Bienal, quero vencer o desafio de esculpir grandes cavalos em madeira, quero escrever um best seller, quero fazer esculturas com ferro velho, quero ter um Fusca zero km, quero curtir minha super bike de competição aos domingos pelas avenidas de São Paulo. Graças ao bom Deus, consegui tudo o que sonhei. Só desisti de continuar pedalando minha magrela pelo trânsito insano da cidade porque não tem coisa mais óbvia e anticriativa do que ser atropelado em São Paulo.

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Alex Periscinoto


Anúncio citado durante a entrevista:
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Ficha técnica:
Criação e texto: Nélson Machado.
Diretor-de-Arte: Omar Guedes.
Fotógrafo: Sergio Paolino.
Texto:
“A linha do bom senso. Desde quando o homem civilizado começou a andar mais sobre quatros rodas do que sobre dois pés, muitas marcas de automóveis passaram em sua vida. Poucas ficaram. E só uma conseguiu atravessar os tempos com a economia de sempre, a qualidade de sempre.
Hoje, neste exato momento, milhões de pessoas em todo mundo estão dirigindo essa mesma marca. E se tanta gente com tantos hábitos, gostos, crenças, ideologias, e exigências diferentes de repente tem a mesma opinião, é porque uma razão muito forte levou a esse ponto comum: a própria razão. A lógica. O bom senso.”

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Entrevista com Gustavo Bastos

Simplicidade criativa é a pauta da nossa conversa com Gustavo Bastos. Sócio e diretor de criação da 11:21, Gustavo conta sua trajetória em grandes agências, fala sobre a complexidade de ter uma simples ideia e revela que a simplicidade está voltando à cena. Que assim seja. Estamos na torcida.

Confira a entrevista e boa leitura.


1. Conte um pouco sobre seu começo na profissão. Qual foi sua trajetória até abrir a 11:21?
Comecei na Salles, hoje Publicis Brasil, como estagiário. De lá fui para a VS, Artplan, MPM e DPZ, sempre como redator. Na DPZ fui também Diretor de Criação, com apenas 23 anos de idade e quatro de profissão. Depois de cinco anos incríveis na DPZ, fui para a JWThompson como DC , e um ano e meio depois me tornei sócio da BR3, depois GR3. Seis anos depois fui Diretor de Criação da 100% Propaganda até abrir, há nove anos, a 11:21. Paralelamente, fui ainda roteirista e criador na Rede Globo e Presidente do Clube de Criação do Rio de Janeiro.

2. Vamos para o assunto do dia. O que torna uma ideia simples e criativa?
O poder de uma boa ideia é grande. Quando a ideia é simples, de impacto e parece que a sua vizinha poderia ter tido, o poder se multiplica. E se for bem executada de forma simples e viável, aí é uma combinação rara e ainda mais poderosa. Sempre digo que uma ideia tem que nascer simples para caber bem feita em qualquer orçamento. Não adianta tentar fazer Avatar de cartela ou tentar executar Pearl Harbour com a esquadrilha da fumaça.

3. “Que ideia simples e genial” e “a ideia era boa, mas ficou simples demais” são expressões opostas, mas próximas. O cuidado na execução faz a diferença?
O simples não pode ser simplório. O cuidado na execução sempre faz diferença. E quanto mais simples a ideia, mais a produção, o cuidado, fazem diferença. A vantagem é que você não depende tanto da verba para cuidar bem de uma execução simples. Mas precisa de muito cuidado e dedicação. Um anúncio altype parece simples, mas é bem difícil de fazer, de chegar ao melhor layout. Afinal, você não tem o recurso de estourar uma bela foto para ajudar no produto final.

4. Uma velha discussão: você acredita que a overdose de efeitos, pós-produção, photoshop e afins é uma desculpa para esconder a falta de ideia?
O excesso de verba sempre foi usado para tentar compensar a falta de uma idéia boa. É a forma se sobrepondo ao conteúdo. Só que agora ficou mais fácil, os efeitos e recursos estão ao alcance de todos. Algumas vezes, eles são usados para contar uma boa história, para fazer uma campanha engraçada, criativa, até uma paródia. Mas é a exceção.

5. Por que é tão complexo ter uma ideia simples?
Esta é uma pergunta tão complexa quanto ter uma ideia simples. Elas parecem fáceis, mas são o oposto. A ideia simples é aquela que deu muito trabalho a quem fez e nenhum trabalho a quem recebe. Elas parecem fáceis justamente por sua simplicidade, dão a impressão de que qualquer um poderia ter feito. E essas ideias simples e incríveis muitas vezes ficam escondidas embaixo ou dentro de muitas outras ideias complicadas. Primeiro você passa pelas complicadas e vai escavando até encontrar a simplicidade. É preciso lapidar, cortar, enxugar para que sobre só a ideia pura, criativa. Aí então você vai saber se ela é boa. Senão, tem que começar o processo todo de novo, por isso é tão difícil.

6. Dois fatos. Primeiro, o blog fez um especial de 20 dias de simplicidade e a repercussão foi superbacana, muita gente comentou: é isso que está faltando hoje em dia. Segundo, encontramos com mais facilidade a simplicidade no portfólio de agências clássicas como Norton, MPM e DPZ. Por que, aparentemente, a simplicidade saiu de cena?
Fazer o simples é difícil pra cacete. É como o Messi jogando, o Fred Astaire dançando, o João Gilberto cantarolando ou o Frank Sinatra cantando: o cara treina anos, todos os dias, sua muito, usa todo o seu talento para fazer aquilo de um jeito que parece mole.
A simplicidade criativa é uma raridade, uma pedra preciosa, e é por isso que vale tanto. Acho que a simplicidade está voltando à cena, vi muitas campanhas simples e incríveis em Cannes este ano, em todas as categorias. Mas na verdade, por exigir tanto talento e trabalho, ela sempre será uma raridade, por isso está reunida no portfolio de poucos.

7. Para o pessoal entender simplicidade criativa na prática, cite três trabalhos que merecem destaque. Podem ser atuais ou não, da 11:21 ou de qualquer outra agência.
Além dos clássicos que já mencionei, vou citar a nova campanha da BBDO americana para o Starbucks, sobre a diferença do encontro ao vivo para as mensagens no celular, a campanha de Cafeaspirina, da AlmapBBDO e a campanha “If We Made it” da Droga 5 para a cerveja Newcastle. De coisas da 11:21, cito o anúncio “Melhor mudar de assunto. Vamos falar de Golf” que fizemos depois do vexame do Brasil na copa do mundo para a Recreio Volkswagen, os filmes e anúncios para o Leite de Rosas e a campanha “Propaganda ruim” para o hambúrguer Grã Filé. Citei mais de três, foi mau, mas poderia citar muitas mais.

8. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Essa é mole: as idéias.

9. Se você estivesse começando na profissão hoje o que perguntaria para Gustavo Bastos, diretor de criação da 11:21, e qual seria sua resposta?
– Gustavo, estou começando na profissão, ganho mal, me empresta algum?
– Não.
Agora falando sério, perguntaria como é se manter nessa profissão por trinta anos e seguir em frente. E responderia: É a paixão, meu caro, a paixão por essa profissão, pelas idéias, pelas descobertas, que só aumenta ano após ano. Por que sem paixão, a gente não faz nem um ovo mexido direito.

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Gustavo Bastos
Sócio e diretor de criação da 11:21


Confira três trabalhos selecionados pelo blog.

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Entrevistas

Entrevista com Mario Cintra

Mario Cintra já passou pela Leo Burnett, McCann, Fallon, Loducca e GiovanniFCB. Atualmente está na Talent e dá aulas Long Copy na Miami Ad School/ESPM. Com tantas agências bacanas na bagagem o que não faltam são experiências para compartilhar com a gente. Confira a entrevista.

Boa leitura.


1. Conte um pouco sobre seu início na profissão. Como você conseguiu o primeiro emprego?
Comecei estagiando na Fracta, uma agência que fazia alguns materiais de ponto de venda para a editora Abril, como cartazes de banca de jornal. Eu fazia títulos para esses cartazes, que normalmente eram para as revistas Placar, VIP e Playboy. Não dava pra reclamar dessa parte do trabalho, né? Como a estrutura da agência era enxuta, a gente tinha que fazer de tudo. Por isso também me ensinaram um pouco de Photoshop. Sei apenas o básico, mas já dá pra irritar bem os diretores de arte que trabalham comigo. Depois eu ainda passei por uma agência chamada AR15 – sim, o mesmo nome do fuzil. Só que eu sempre quis trabalhar em agência grande. Ficava lendo o Meio&Mensagem, PropMark, Blue Bus e até acessando os sites das agências pra saber o que tava rolando no mercado. Um dia entrei no site da Giovanni,FCB e vi que eles estavam fazendo uma campanha contra quem deixa o cachorro fazer cocô na rua. Cliquei em algum canto lá e abriu uma janelinha para mandar e-mail. Resolvi escrever um texto sobre o tema e enviar. Um ou dois dias depois, me ligaram da Giovanni dizendo que o Aaron Sutton, diretor de criação da agência, tinha gostado do meu texto e queria que eu fosse lá falar com ele. Gelei. Vesti minha melhor camisa e fui, cheio de noção. Nem lembro se o Aaron chegou a ver minha pasta aquele dia, mas me chamou pra fazer estágio lá. Bendita hora em que enviei aquele texto. Fiquei na Giovanni quase um ano e foi muito legal, mas não fui contratado. Isso só aconteceu um tempo depois, quando eu tava fazendo estágio na Fallon. Os sócios e diretores de criação da agência eram o Eugênio Mohallem e o Marcelo Aragão. Um dia os dois me chamaram numa salinha e me contrataram. Haja coração, amigo.

2. Você é professor de long copy na Miami, certo? Existe uma técnica para este tipo de texto? Qual sua dica sobre o tema?
É, em 2012 o Paulo André me convidou para dar aula de long copy. Não levo muito jeito pra professor, mas tentei encontrar uma forma pra dar essa aula e no final funcionou, os alunos gostaram. Eu acho que muita gente que tá começando não dá o devido valor ao texto. Pega lá o filme “Loucos”, da Apple. O filme “Hitler”, da Folha. O primeiro filme da campanha “Impossible is Nothing”, da Adidas. Ou mesmo “Dumb Ways to Die”. Em todos eles, o texto é fundamental. Acho que é legal prestar atenção nisso. Revi muita coisa pra dar a aula e, pô, um bom texto não envelhece. Mesmo que a mídia impressa morra, o texto vai sobreviver. Fora que hoje em dia é até moderno fazer uma boa campanha de texto: as pessoas compartilham, se envolvem, comentam. No ano passado mesmo teve uma campanha brilhante da F/Nazca pra Leica. Um pouco antes, eles tinham feito #coisadaboa pra Nike, que também tem um texto sensacional. Há um tempinho teve aquele anúncio “Você nunca vai fazer 28”, da Almap, e neste ano eles fizeram o “deslançamento” da Kombi, que vem forte. Enfim, eu tentei mostrar na aula que, dentre as várias opções que um redator tem para dar forma a uma ideia, o long copy pode ser um ótimo recurso – como nesses exemplos que eu citei. Quanto à técnica para escrever, acho que ajuda ter claro na cabeça qual é a ideia do seu texto. Aí você apresenta, desenvolve e conclui essa ideia, de forma que responda o briefing e seja interessante. Texto longo não pode ser sinônimo de texto chato. Não adianta fazer um textão que ninguém quer ler. Ouvi em algum lugar um negócio que faz muito sentido. O raciocínio era mais ou menos assim: quando uma pessoa decide investir o tempo dela pra prestar atenção em uma propaganda, ela quer alguma coisa em troca. Uma reflexão, um sorriso, algum tipo de recompensa. Porque, hoje em dia, ninguém mais é obrigado a ver propaganda. Nosso trabalho é fazer esse tempo investido valer a pena. E isso não vale só para textos longos. Aliás, isso não vale só para propaganda.

3. Como é o seu processo criativo?
Nunca pensei muito nisso e não sei se dá pra chamar de “processo criativo”, mas vamos lá. Eu gosto de pensar escrevendo. Começo anotando os principais pontos do briefing. Depois vou listando algumas palavras e frases que tenham a ver com o que eu preciso falar. Se eu tô com a cabeça na Lua, isso é bom pra eu ir me sintonizando no job. Aí, em algum momento, que não pode demorar muito, espera-se que comecem a sair os raciocínios que vão virar conceitos, títulos, roteiros. Eu prefiro pensar um pouco sozinho antes de sentar para criar com meu dupla. Acho que, quando os dois pensam separadamente primeiro, a gente já chega aquecido e fica menos tempo patinando quando se junta. Então, depois que os dois já entraram no job, a gente discute, pensa junto e decide quais são as melhores ideias para mostrar para os diretores de criação. Tudo isso, claro, quando o prazo permite. Muitas vezes o jeito é sentar, botar o fone de ouvido e sair fazendo. Outra coisa que eu procuro fazer na hora de criar é desenvolver várias opções. Funciona pra mim, não significa que vá servir pra todo mundo. Tento fazer bastante opção por três motivos: 1) eu me obrigo a achar caminhos diferentes; 2) quanto mais opções houver para comparar, mais fácil de identificar qual delas é realmente a melhor – ou a menos pior; 3) tenho mais chances de acertar e, portanto, menos chances de precisar refazer o job. Apesar dessa descrição quase matemática que eu fiz, na prática é um verdadeiro caos. Mas você se acostuma.

4. O que realmente importa na hora de avaliar a pasta de um candidato a estágio?
Em primeiro lugar, é claro que são as ideias. Em segundo lugar, acho que é a viabilidade delas. Tem algumas ideias de aplicativos que são tão complexas que eu não sei se o cara quer uma vaga na Criação ou na área de TI. Não que eu seja contra aplicativos e afins, apenas acho que eles tem que ter um mensagem clara e pertinente. Em terceiro lugar, acho legal ter uma pasta equilibrada. Tudo bem ter ações e coisas muito loucas, projetos pessoais, a piração que for. Mas é bom ter também uns anúncios, títulos, roteiros. Digo isso porque as agências precisam de estagiários que consigam ajudar resolvendo os trabalhos que forem passados para eles. E, no dia-a-dia da agência, a gente ainda recebe mais jobs do tipo “o cliente conseguiu uma parceria com a rádio e precisa de um texto-cabine” do que do tipo “o cliente conseguiu uma parceria com a NASA e precisa de um holograma em espiral”. Porém, eu acho também que a sua pasta tem que ter a sua cara. A decisão final do que você vai por lá é sua.

5. Quem você mais admira na profissão? Por quê?
Admiro todos os envolvidos na criação, aprovação e produção do filme da Volvo com o Jean Claude Van Damme, começando pelo próprio Jean Claude Van Damme. Fora isso, sempre fui fã do Eugênio Mohallem. O trabalho dele, além de ser absurdamente bom, tem um estilo, uma personalidade. Admiro muito isso. O Marcelo Aragão é outro redator que eu acho brilhante, ganhou trocentas vezes o Profissionais do Ano, fez campanhas incríveis em todas as agências que passou. Fico muito feliz de ter trabalhado com esses dois monstros. O João Livi, que é meu chefe hoje, também é um cara que eu admiro. Ele tem uma preocupação especial com o conceito das campanhas, dá pra perceber isso claramente analisando a consistência do trabalho da Talent. Também gosto muito do trabalho do Wilson Mateos, Andre Kassu, Fabio Fernandes, Renato Simões, Rynaldo Gondim, Marcelo Nogueira, Alexandre Scaff, André Godoi, Pernil… Putz, não vou lembrar de todo mundo. Tenho tido a sorte de trabalhar com muita gente boa, todos os meus diretores de criação me ajudaram e me ensinaram muito. Mas não posso deixar de citar o Ruy Lindenberg, com quem trabalhei por quase 5 anos na Leo. Se alguém não conhece o trabalho do Ruy como redator, é o caso de dar um Google. Para se ter uma ideia, ele escreveu um texto para um filme de Visa que aparece na internet atribuído ao Dalai Lama. Só isso. Quando o Ruy entrou para o Hall da Fama do CCSP, o Roberto Pereira escreveu no anuário um texto que começa assim: “Eu gostaria de escrever igual ao Ruy”. Se alguém não conhece o trabalho do Roberto Pereira, é o caso de dar outro Google. Enfim, o Ruy Lindenberg é um dos maiores redatores da história da propaganda brasileira e tenho orgulho de ter feito parte da equipe dele. Ah, tem outra pessoa que eu admiro. Aquela pessoa, de sei-lá-qual departamento, que sem você perceber ajuda a deixar o estressante dia-a-dia na agência um pouco mais leve, mais alegre. Aquela pessoa que, quando está trabalhando com você, faz diferença. E, quando não está, faz falta.

6. Acredito que todos que acompanham o blog lembram da campanha do Prisma, do conceito “seu primeiro grande carro” e do filme repleto de referências bacanas. Conte um pouco sobre essa campanha. Ela marcou o segmento de automóveis e seu portfólio, né?
Pois é, outro dia eu e o Adriano Alarcon, que era meu dupla na McCann nessa época, estávamos conversando sobre isso. A campanha do Prisma já tem oito anos e as pessoas ainda comentam, o que é muito legal. Bom, pelo que me lembro, esse era um job muito importante para a agência, que estava começando uma nova fase liderada pela Adriana Cury, e para o cliente, que apostava bastante nesse lançamento para conquistar um novo público e dar uma modernizada na imagem da marca. Como o job era bem grande, havia duas duplas envolvidas: uma era o Adriano Alarcon e eu, a outra era a Fernanda Machado e o Eric Sulzer. Nós trabalhamos juntos. O Danilo Janjácomo, diretor de criação, e a Adriana também se envolveram desde o início. Fomos todos pegar o briefing no campo de provas da GM, onde testamos o Prisma. No começo era tudo meio sigiloso, a gente tinha que chamar o carro por um nome código, essas coisas. Foi nessa primeira reunião que eu cheguei no conceito “Seu primeiro carrão”. Fizemos depois outras reuniões na agência envolvendo a equipe de internet da McCann, que era muito boa. O Marcelo Pignatari e o Max Chanan faziam parte desse grupo, mas infelizmente não vou lembrar o nome de todo mundo. Foi numa dessas reuniões que adaptamos o conceito para “Seu primeiro grande carro” e que surgiu o tema “Sua vida trouxe você até aqui”. Mas faltava achar uma forma pra isso. Estávamos trabalhando num fim de semana (é fácil lembrar da data porque foi no dia da final da Copa de 2006) e aí tivemos essa ideia: mostrar um rapaz que representasse o público-alvo do carro sendo “empurrando” até o Prisma por personagens que fizeram parte de diferentes fases da vida dele. Todo mundo acreditou na ideia, principalmente o cliente. Aí a agência chamou uma art buyer que ficou responsável exclusivamente por negociar os direitos dos personagens. A gente fez uma lista e ela foi vendo o que era viável. Alguns dos que a gente queria eram muito caros, como o Darth Vader. Ainda bem que conseguimos vários legais, como o Chucky, o Scooby-Doo e o Homem de Marshmallow – o meu favorito. Depois que essa parte foi definida, o Miro fez as fotos da campanha e o Manguinha dirigiu o filme. Os dois contribuíram muito para que o resultado ficasse tão bom. Lembro que o Adriano entrou em êxtase acompanhando as fotos do Miro. Todo mundo deu o máximo para botar a campanha de pé e no final ela realmente chamou atenção e fez bastante sucesso. Fazer parte de um projeto tão grande foi sem dúvida uma ótima experiência pra mim. Até porque eu gosto muito de atender conta de carro e continuei nessa pegada quando saí da McCann: fui pra Leo Burnett e fiz bastante coisa para a Fiat, um melhores clientes com que eu já trabalhei.

7. Se você estivesse começando na profissão hoje o que perguntaria para o Mario Cintra, redator da Talent, e qual seria sua resposta?
Eu acredito que todo mundo que está começando quer saber o que fazer para achar o seu espaço numa boa agência. A minha resposta é simples: não sei. Calma, na verdade acho que é uma combinação de sorte e talento. A sorte não dá para controlar, mas o talento você pode ir lapidando para buscar a sua vaga. Eu sugiro estudar os anuários do Clube de Criação, conhecer os trabalhos das principais agências e, principalmente, pegar o telefone e encher o saco do pessoal para ver a sua pasta. Às vezes não vai dar certo, mas garanto que tem muita gente legal que vai dar a atenção que você merece. Você depende dessas pessoas: são elas que vão enxergar o seu potencial e te indicar em algum lugar logo de cara ou ajudar você a melhorar o seu trabalho e te indicar em algum lugar um pouco depois. Por isso é bom ouvir as opiniões dos profissionais mais experientes para ir moldando a sua pasta. A boa notícia para quem ainda não achou uma vaga é que é normal ser difícil. Não desanime. A má notícia é que manter a sua vaga é ainda mais difícil. Então, nunca se acomode. Meu conselho final é o seguinte: se você der uma entrevista um dia, evite falar muita besteira. Não sei se eu consegui.

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Mario Cintra
Redator da Talent


Campanha do Prisma citada na entrevista:

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